2025 foi o ano de Pernambuco?

  • 31/12/2025
(Foto: Reprodução)
Cantor João Gomes (à dir.) e filme O agente secreto (à esq.) levaram Pernambuco para o mundo em 2025. BBC O Recife dos anos 1970 voltou aos cinemas em 2025 com O Agente Secreto, um dos filmes brasileiros pré-selecionados para concorrer ao Oscar 2026. No ano que termina, o recifense Kleber Mendonça Filho, diretor do filme, também conquistou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, na França. Foi também em 2025 que a voz e o sotaque pernambucano de João Gomes triunfaram em Las Vegas, cidade americana onde o cantor recebeu, ao lado dos músicos Mestrinho e Jotapê, o Grammy Latino de melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa (Dominguinho). Jovem de 23 anos nascido em Serrita (PE), Gomes arrebatou ainda cinco categorias do Prêmio Multishow 2025 e encerrou o ano dividindo o palco com Roberto Carlos no especial de final de ano da TV Globo. A galeria de conquistas pernambucanas não estaria completa sem Jhon Xavier, que em 2025 se tornou o primeiro brasileiro a conquistar medalha em um Mundial de Base no pentatlo moderno e foi reconhecido como melhor da modalidade no Prêmio Brasil Olímpico 2025, conferido pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Embora entrevistados pela BBC News Brasil digam que a influência de Pernambuco não vem de hoje, eles reconhecem que 2025 foi uma ótima "safra" para o Estado. Afinal, o que é que Pernambuco tem? Jotapê, João Gomes e Mestrinho conquistaram o Grammy Latino de melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa Getty Images/BBC Janela para a Europa e para o mundo Vistas à luz da história pernambucana, essas realizações podem parecer modestas. O Leão do Norte — apelido de Pernambuco — foi uma das regiões mais ricas do mundo nos séculos 16 e 17, rivalizando com colônias inteiras do Caribe na produção açucareira. O Estado é berço de luminares como o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999), a escritora Clarice Lispector (1920-1977) e o músico Luiz Gonzaga (1912-1989). Durval Muniz de Albuquerque, professor visitante de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) no Campus de Caicó, destaca a importância histórica da capital pernambucana, Recife — uma cidade portuária. "É uma grande metrópole brasileira desde o começo do século 20. Sempre foi um grande centro cultural", afirma o historiador paraibano, autor de A invenção do Nordeste e outras artes (Cortez/Massangana, 1999). "É o porto [brasileiro] mais próximo da Europa em relação a Rio de Janeiro e São Paulo. É onde chegam todas as grandes novidades europeias, as companhias teatrais e de ballet." Além disso, ele destaca que Recife foi um dos pontos de entrada de escravizados africanos no Brasil — a cidade tinha em 2022 mais de 60% de pretos e pardos em sua população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — e destino de migrantes de origens variadas, especialmente do campo. Recife foi também base para a elaboração de uma imagem do Nordeste marcada pela idealização da cultura açucareira e pela estigmatização do sertão semiárido como uma região marcada por atrasos, acrescenta Albuquerque. Contribuíram para a construção dessa visão intelectuais como Gilberto Freyre (1900-1987) e os paraibanos radicados no Recife José Lins do Rego (1901-1957) e Ariano Suassuna (1927-2014). O diretor Kleber Mendonça Filho conduz passeio guiado por locais retratados em O agente secreto Nicole Rodrigues/Divulgação Para além desse imaginário, a cidade gerou muitas outras novidades culturais. Albuquerque cita o frevo do início do século 20 ("música completamente urbana e negra"), o Manifesto Tropicalista de 1968 ("o primeiro manifesto tropicalista do Brasil") e os movimentos musicais batizados de mangue beat e psicodelia nordestina. "Recife teve a Rozenblit, fábrica de discos que, durante quatro décadas, manteve uma produção fonográfica tão importante quanto a Copacabana, do Rio de Janeiro, e trouxe para o mercado gravações de frevo, maracatu e caboclinhos", afirma o historiador, falando à BBC News Brasil por telefone, de Caicó (RN). "O que está acontecendo agora é que esse grande caldeirão cultural que sempre foi Recife está produzindo mais uma grande safra de criações invejáveis." Há quatro anos à frente do projeto "Os Nordestinos pelo Mundo", que inclui um podcast e perfis em redes sociais, o comunicador Leo Paiva diz que a nova safra da cultura pernambucana é resultado de um cultivo meticuloso. "O pernambucano ama a sua própria cultura e tem um prazer imenso em valorizar os seus. Isso é uma escola, é uma aula sobre como amar a própria cultura é importante", afirma o cearense, falando à BBC News Brasil por telefone de Fortaleza. Agora, o Estado se prepara para mais um de seus grandes momentos, o Carnaval com seus frevos e o maracatu. Em 2025, a festa atraiu mais de 2,3 milhões de turistas para Pernambuco, especialmente em Recife e Olinda, de acordo com dados do Ministério do Turismo. É um período importante para a economia local — que, aliás, é uma das maiores do Nordeste, com Produto Interno Bruto (PIB) atrás apenas da Bahia, segundo dados publicados recentemente pelo IBGE, referentes a 2023. No Brasil, foi o Estado com 11º maior PIB naquele ano. No terceiro trimestre de 2025, o PIB de Pernambuco cresceu 2% na comparação com o mesmo período de 2024 — acima da média nacional (1,8%), de acordo com dados preliminares do Instituto de Gestão Pública de Pernambuco (IGPE). O crescimento no trimestre foi puxado principalmente pela indústria, com destaque para a indústria da transformação (que altera uma matéria-prima até torná-la um bem intermediário ou final) — no Estado representada pela Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e pela produção de automóveis e bebidas, entre outros itens. Mas o Estado segue lutando contra antigas mazelas como o alto desemprego — no primeiro e segundo trimestre desse ano, teve a maior taxa de desocupação do Brasil, de acordo com os dados mais atualizados divulgados pelo IBGE. Foi também o quarto Estado brasileiro com a maior taxa de mortes violentas intencionais (36,2 por 100 mil), atrás apenas de Amapá (45,1 por 100 mil), Bahia (40,6 por 100 mil) e Ceará (37,5 por 100 mil), segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 (com dados referentes a 2024). Novas versões pernambucanas O diretor Kleber Mendonça Filho (E) e o comunicador Leo Paiva, host do podcast 'Os nordestinos pelo mundo' Reprodução No início de dezembro, a multicampeã do skate Rayssa Leal revelou que estava ouvindo Arriadim por tu, de João Gomes, ao vencer pela quarta vez consecutiva a competição Street League Skateboarding (SLS) Super Crown. Na antevéspera de Natal, foi a vez de Roberto Carlos declarar sua admiração pelo cantor, um dos convidados de seu especial na TV Globo. Um dia antes de dividir o palco com o Rei, João Gomes revelou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que não queria fazer de 2025 um "ano pacato". "Eu queria estar num ritmo acelerado, assim como a cidade [Recife] em que eu estava morando", afirmou o jovem artista. Para Durval Muniz de Albuquerque, que se diz "particularmente fascinado" pelo fenômeno João Gomes, o cantor deu "novos sentidos" a símbolos do Nordeste. "Ele [João Gomes] pega o chapéu de couro e transforma-o em um boné todo estilizado. A roupa que ele estava usando no Grammy, toda feita de renda, era um terno totalmente estilizado, chique, que poderia estar em qualquer passarela do mundo", analisa o historiador. Embora sua trama seja ambientada no passado, O Agente Secreto inova ao retratar a repressão fora do eixo Rio-São Paulo, cenário recorrente de filmes sobre a ditadura militar (1964-1985). Com meticulosa reconstituição de época, o longa de Kleber Mendonça Filho encara a metrópole de forma nostálgica, mas não idealizada. A violência que perpassa a história de Pernambuco e do país está presente desde a primeira sequência de O agente secreto. "Muita gente esquece que Recife foi uma das cidades em que a repressão política foi mais intensa no pós-1964", afirma Albuquerque. O Agente Secreto foi pré-selecionado para as categorias de "Melhor Filme Internacional" e "Melhor Direção de Elenco" do Oscar 2026, cujos concorrentes definitivos serão divulgados em 22 de janeiro. Além disso, o filme já está concorrendo ao Globo de Ouro 2026 — é a primeira vez que um filme brasileiro tem três indicações ao prêmio. Para os conterrâneos de Kleber Mendonça Filho, a experiência de ver o próprio entorno reconstruído na tela grande invoca um sentimento mais afetivo: o de pertencimento. "Ser pernambucano está na moda, e acho que a gente está surfando bem essa onda", brinca a criadora de conteúdo Amanda Menelau, pernambucana de 39 anos. Em maio de 2024, um vídeo produzido por Amanda, sobre as peculiaridades do plural no português de Recife, viralizou. Desde então, ela produziu dezenas de vídeos explicando, de forma bem-humorada, particularidades da cultura e do vocabulário pernambucano, Definindo-se como "a menina dazaula e durvídio", Amanda tem mais de 60 mil seguidores no Instagram. Para o cientista político Túlio Barreto Velho, diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundação Joaquim Nabuco, sediada em Recife, as redes sociais propiciam a circulação do que é produzido fora do eixo Sudeste-Sul. "Se a pessoa for sabida e esperta poderá aproveitar esse acesso praticamente ilimitado às manifestações artísticas e culturais que as tecnologias e redes sociais hoje permitem", afirma.

FONTE: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2025/12/31/2025-foi-o-ano-de-pernambuco.ghtml


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