As estrelas gay do k-pop que desafiam tabus na Coreia do Sul ao sair do armário
05/07/2025
(Foto: Reprodução) Apenas alguns artistas de K-pop se declararam gays, mas nenhum deles tão publicamente quanto Bain. Será que este é um momento de virada na forma como sociedade sul-coreana lida com a sexualidade?
O ídolo do K-pop Bain, da banda Just B, contou à BBC como foi reconhecer sua sexualidade para o público
BBC Coreia/Jungmin Choi
Bain estava na metade do show da sua banda em Los Angeles, em uma noite fria de abril, quando a música parou.
Com um casaco de pele enorme e óculos escuros, o astro do K-pop de 24 anos disse a milhares de fãs: "Antes de começar a próxima música, quero compartilhar algo com vocês".
Após uma breve pausa, ele disparou: "Tenho um [palavrão] orgulho de fazer parte da comunidade LGBTQ!"
A plateia explodiu em gritos e aplausos quando Bain começou a cantar o hino gay de Lady Gaga: "Just put your paws up, 'cause you were born this way, baby".
Naquele momento, quando declarou sua sexualidade para o mundo, ele não estava nervoso, conforme contou à BBC durante uma entrevista em seu estúdio em Seul — em vez disso, estava tentando "parecer legal".
Alguns artistas de k-pop gays saíram do armário nos últimos anos — mas nenhum tão publicamente quanto Bain.
Mesmo em 2025, essa é uma atitude ousada na indústria do entretenimento da Coreia do Sul, onde as estrelas são submetidas a padrões impossíveis. Admitir até mesmo um relacionamento heterossexual é um escândalo.
"Havia algumas pessoas no setor que sabiam [que eu estava pensando em me abrir] e me advertiram, dizendo que seria um risco", diz Bain. "E é claro que eu pensei no risco — que poderíamos perder fãs."
"Mas depois pensei: a sociedade está mudando... talvez eu ganhe mais do que perca."
Essa é a grande questão: será que ele abriu as portas para a mudança em um setor que se tornou global, mas que continua profundamente arraigado na conservadora Coreia do Sul?
'Achei que poderia simplesmente fingir'
Bain, cujo nome verdadeiro é Song Byeonghee, diz que estava no ensino médio, com aproximadamente 12 anos, quando se deu conta de que era gay.
Pouco tempo depois, ele decidiu entrar para um programa de treinamento para ídolo de k-pop, mas manteve sua orientação sexual em segredo — ele achava que ser gay não era "permitido".
"Não era algo que eu questionasse... Eu simplesmente achava que não tinha escolha", diz ele. "Não havia mais ninguém [ao meu redor que fosse gay]. Eu achava que podia simplesmente fingir e seguir adiante."
Bain conta que tinha 12 anos quando se deu conta de que era gay
BBC Korean/Jungmin Choi
A rica e moderna Coreia do Sul ainda é tradicional em muitos aspectos. Igrejas poderosas, porém conservadoras, geralmente veem a homossexualidade como uma deficiência ou pecado. E o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é reconhecido legalmente.
Em 2021, Bain fez sua estreia como parte de uma boy band de seis membros, chamada Just B. Eles lançaram vários álbuns e participaram de reality shows, conquistando um público fiel.
Mas ter que esconder uma parte de si mesmo durante todo esse tempo afetou Bain.
"Fiquei tão sufocado que pensei que talvez não pudesse ser um idol [termo que designa uma estrela do gênero]. Senti que estava me escondendo demais. Decidi conversar com a minha mãe."
Isso foi há cerca de três anos. A mãe dele foi a primeira pessoa da família a saber: "Conversamos por uma hora, e eu finalmente disse: 'Gosto mais de homens do que de mulheres'. Foi aí que ela soube."
A reação dela foi difícil para ele. "Sinceramente, ela não gostou — não no começo. Ela disse que achava que eu poderia superar isso, que talvez um dia eu gostasse de mulheres. Ela ficou triste... pensando que eu agora enfrentaria reações negativas dos outros. Mas [ela] disse: 'Você é meu filho, então eu te amo, te apoio, te amo'. Foi uma mistura de sentimentos. Fiquei triste, mas, no final, grato por ela ter dito que me ama."
Depois, os membros da banda e da empresa começaram a incentivá-lo a encarar o desafio — e contar ao mundo.
No início deste ano, a banda iniciou uma turnê mundial e, na última parada da turnê nos EUA, Bain decidiu sair do armário no palco.
Bain (ao centro) fez sua estreia em 2021 como parte de uma boy band de seis membros, a Just B
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Desde então, a banda foi colocada sob os holofotes — com Bain dando inúmeras entrevistas e se tornando rapidamente o novo rosto da comunidade LGBTQ coreana.
"Sinto que mudei muito desde que me declarei gay. Me sinto mais confiante. Quando conheço alguém novo, mostro quem eu sou imediatamente", diz ele.
"Mas também me sinto triste pelo fato da minha identidade ser um assunto tão importante agora."
Com o tempo, ele espera que as pessoas não digam mais "ah, ele é gay, e sim, ah, é quem ele é".
Os tabus no K-pop
Quando o ator sul-coreano Hong Seok-Cheon se declarou gay em 2000, a representação LGBTQ alcançou de fato o mainstream no país.
Ele foi a primeira celebridade coreana a se abrir sobre sua sexualidade — e isso teve um preço. Ele foi retirado de programas de TV e propagandas.
A postura de parte da sociedade em relação ao tema certamente mudou desde então. Uma pesquisa do instituto Pew de 2019 mostrou que o número de pessoas que aceitam a homossexualidade subiu de 25% para 44% em 2002.
Ainda assim, apenas algumas outras celebridades saíram do armário.
Em 2018, Holland se tornou o primeiro artista de K-pop abertamente gay do país e, em 2020, Jiae, ex-integrante da girl band Wassup, se declarou bissexual.
Ambos disseram que, como resultado, tiveram dificuldades para assinar com uma gravadora.
O anúncio de Bain, no entanto, foi comemorado tanto pelos fãs quanto pela comunidade LGBTQ da Coreia do Sul.
"Quando alguém como um ídolo sai do armário, dá a pessoas como eu a sensação de que não estamos sozinhos", diz uma mulher transgênero coreana de 26 anos que não quer ser identificada.
"Isso traz conforto... me faz pensar que talvez não tenha problema ser do jeito que sou."
A maioria dos comentários online também tem sido positiva. Um fã gay escreveu em um comentário no YouTube como se sentiu encorajado por Bain, depois de sentir "tanto desespero" diante de "discursos de ódio" e discriminação.
"Mas, graças a Bain, encontrei a coragem para seguir adiante."
A aceitação da comunidade LGBTQ está crescendo na Coreia do Sul, mas o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é reconhecido
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Os fãs internacionais também comemoraram a atitude dele: "Depois do choque inicial, comecei a chorar", conta Lia, uma fã de k-pop dos EUA que se identifica como lésbica.
"Sabendo que a Coreia ainda tem alguma repressão contra pessoas LGBTQ, a bravura e a coragem que ele demonstrou ao se declarar... [foi] admirável."
A presença cultural da Coreia do Sul vem crescendo globalmente, e isso atraiu fãs de todos os lugares, com suas próprias perspectivas e crenças. Eles podem muito bem reformular o setor de k-pop.
Mas isso vai levar tempo. E fica evidente na variedade de comentários em resposta ao anúncio de Bain — da desaprovação à apatia.
Por um lado, o país tem visto um aumento nas crenças antifeministas de direita, muitas vezes declaradas entre os homens jovens, que parecem se opor a qualquer contestação dos papéis tradicionais de gênero.
E esses papéis continuam fortes na Coreia do Sul. O governo e a igreja defendem os valores familiares convencionais, incentivando os jovens a se casar e ter filhos para que possam aumentar as taxas de natalidade, atualmente as mais baixas do mundo.
Considerando tudo isso, talvez não seja uma surpresa que a homossexualidade ainda seja um tabu, mesmo em um setor global como o k-pop.
Esse é um mundo em que nem sequer os casais heterossexuais falam sobre suas vidas privadas, diz o crítico Lim Hee-yun.
"O k-pop passou quase 25 anos evitando o tema da sexualidade [por completo]. Até mesmo os relacionamentos heterossexuais são ocultados para proteger as fantasias dos fãs."
'Por ter saído do armário, outros se sentiram seguros para fazer o mesmo', diz Bain
BBC Korean/Jungmin Choi
Segundo ele, Bain "desafiou esse silêncio de uma forma simbólica e poderosa. Acredito que isso marca um momento importante".
Mas ele acredita que os fãs poderiam ter reagido de forma muito diferente — "poderia ter sido bombástico" —, se um integrante de uma boyband global tivesse se declarado gay.
"O caso de Bain foi significativo, mas a banda dele não é tão famosa, por isso não causou tanto alvoroço no país", avalia Lim.
Ele concorda, no entanto, que Bain certamente ajudou a aumentar a conscientização. "É um processo lento, mas estamos vendo mais figuras públicas se manifestando ou conteúdo sendo criado em torno de questões LGBTQ."
Mas qualquer mudança imediata no k-pop ou no setor de entretenimento é improvável, de acordo com ele.
"Não se trata apenas de uma questão social, é uma questão de mercado. Os ídolos masculinos geralmente têm uma base de fãs feminina muito maior... [e] se você descobrir que seu ídolo masculino favorito é gay, isso pode acabar com a ilusão de que você poderia um dia ser objeto da sua afeição", explica Min Yong-Jun, colunista de cultura pop.
"Portanto, se eles [saem do armário], correm o risco de abalar o alicerce sobre o qual sua base de fãs foi construída."
Bain diz, no entanto, que sua decisão valeria a pena até mesmo se "uma pessoa no k-pop se fortalecesse" a partir dela.
"Passei tanto tempo fingindo... Percebi que, por ter me declarado, outras pessoas se sentiam seguras para fazer isso também."
No dia em que se declarou gay, ele se lembra que vários fãs abordaram ele, dizendo que eram gays ou lésbicas, falando sobre sua própria identidade.
"Eles me agradeceram, e eu pensei comigo mesmo: 'Deveria ter feito isso antes'."