Por que Odete Roitman e Maria de Fátima são tão adoradas mesmo fazendo tantas atrocidades
15/10/2025
(Foto: Reprodução) Por que Odete Roitman e Maria de Fátima são tão adoradas?
Não foi à toa que a morte de Odete Roitman paralisou o Brasil — primeiro, em 1988, e agora em 2025. Reviravolta inesperada na trama, o assassinato envolve a maior vilã da nossa teledramaturgia. Ela é a vilã das vilãs: despreza a própria filha doente, humilha pobre, odeia brasileiro e só pensa em si. É odiada dentro e fora da novela. Mas é também amada ao nível de uma superstar.
Outro personagem marcante de “Vale Tudo”, Maria de Fátima busca ascensão social a qualquer custo: vende a casa da própria mãe, seduz um bilionário só por interesse e inventa diversas mentiras. Mas, assim como Odete, ela também tem fãs. Chamados de Fatymores no remake, seus admiradores existem para além da trama.
Tanto Odete quanto Fátima são personagens que o público ama odiar, mas também odeia amar. O remake deixou isso nítido: vários posts com elogios às personagens viralizam. Existem até perfis dedicados a elas.
Deborah Bloch como Odete Roitman e Bella Campos como Maria de Fátima, em 'Vale Tudo' (1985)
Reprodução
O impacto de Odete Roitman
Especialista em teledramaturgia, Nilson Xavier explica que a versão original de “Vale Tudo” mudou inclusive o conceito vilanesco das novelas. “Antes de Odete, as vilãs eram vistas como personagens questionáveis, que davam medo, mas não exerciam esse fascínio”, diz ele em entrevista ao g1.
“Altiva em ‘A Indomada’, Maria Regina em ‘Suave Veneno’, Branca em ‘Por Amor’, Raquel em ‘Mulheres de Areia’... A partir dessas vilãs dos anos 90, o público passou a ficar fascinado. De 2000 para cá, tivemos Laura, Bia Falcão, Flora, Nazaré, Carminha. Agora, a gente espera que uma vilã seja extremamente carismática, como a Odete Roitman.”
Os bordões de Odete foram tão marcantes que, depois de "Vale Tudo", frases de efeito se tornaram um elemento essencial para qualquer vilão carismático, afirma o pesquisador.
A interpretação do ator e o humor do personagem também são fatores essenciais. "Por exemplo, a Carminha era engraçada. O Marco Aurélio, de ‘Vale Tudo’, humilha seus subalternos, mas é cômico", diz Nilson. "O Marco Aurélio do Alexandre Nero tem uns comportamentos que levam ao riso, e o Marco Aurélio do Reginaldo Faria também era assim."
Ele também cita o Félix (Mateus Solano), de "Amor à Vida". Mesmo após jogar uma bebê em uma caçamba de lixo, o vilão acabou conquistando o coração do público por sua faceta surpreendentemente divertida.
Embora cruel, a arrogância de Odete é muitas vezes engraçada. O mesmo vale para as falcatruas de Fátima. Ainda assim, as duas não chegam a dividir o posto de vilã. Ou pelo menos, não aos olhos de Glória Pires e Bella Campos, as atrizes de Fátima (da versão original e do remake, respectivamente). Ambas negam que a personagem seja vilã.
A ídola dos fatymores
Maria de Fátima (Bella Campos)
Globo
Em agosto, Bella disse ao site Omelete que Fátima é batalhadora e "também uma vítima do momento em que vivemos", marcado por jovens que tentam mudar de vida sendo influenciadores digitais.
"É por isso que tanta gente se identifica com ela", afirmou Bella, ressaltando que reconhece suas atitudes perversas, no entanto.
Ao Memória Globo, Glória já tinha dito: "Eu não acho que ela era uma vilã. Acho que era uma pessoa amoral, louca, desregulada. Ela fazia mesmo coisas horrorosas, amorais. Mas não considero uma vilã porque a vilania é só má, não tem outro lado, contraponto, dor na consciência. Ela queria subir na vida custasse o que custasse".
Nilson, o especialista, afirma que Maria de Fátima flerta bastante com o vilanismo, mas se encaixa melhor no conceito de antagonista. "A premissa de 'Vale Tudo' é uma questão moral: vale a pena ser honesto no Brasil? Isso é construído a partir de um conflito entre mãe e filha." Ou seja, a protagonista Raquel e a antagonista Fátima.
Segundo ele, a Fátima do remake também está "meio à deriva", devido ao que seria uma diminuição do protagonismo de Raquel.
Já Mauro Alencar, autor de "A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil", diz que a Fátima atual traduz muito bem a nova geração. Ele também afirma que a personagem de ambas versões é "muito mais vítima" do que vilã, já que não tem nenhum poder para mandar e desmandar como Odete.
"Ela é uma jovem que meteu os pés pelas mãos por uma vida glamourosa. E foi vítima inclusive dos Roitman. Mas realmente, ela tem muitos problemas, fraturas emocionais como muitos jovens por aí."
O fascínio pela vilania
Odete Roitman, vilã interpretada por Débora Bloch, será achada morta no episódio desta segunda-feira (6)
Reprodução/TV Globo
Vilã, antagonista ou vítima, Fátima coleciona atrocidades. Mas os fãs dela, assim como os da Odete, não necessariamente defendem suas atitudes.
"É uma catarse psicológica", explica Mauro. Personagens como Fátima e Odete são sedutores. A vilania é, acima de tudo, charmosa.
"Os vilões sempre fascinaram sua audiência. Foi assim com os contos dos Irmãos Grimm, do Charles Perrault, do Walt Disney..."
Mesmo cometendo malvadezas, esse tipo de personagem encanta porque reflete desejos inconscientes de quem os assiste. É como se oferecesse um alívio à repressão de sentimentos.
Isso não quer dizer, necessariamente, que o espectador concorde com a crueldade, mas sim que as ações do personagem dialogam diretamente com "fatores sociológicos e psíquicos profundos".
Além disso, a vilania promove conflitos importantes para qualquer história. E tanto Odete quanto Fátima têm conflito de sobra.