'Springsteen: Salve-me do desconhecido' é retrato soturno da depressão de um ídolo; g1 já viu
30/10/2025
(Foto: Reprodução) Quando decidiu se isolar para compor e gravar sozinho um de seus discos menos comerciais, no começo dos anos 1980, Bruce Springsteen não estava lá muito preocupado se seus fãs iam gostar ou não.
Esse é mais ou menos o mesmo clima que "Springsteen: Salve-me do desconhecido" – nova cinebiografia na praça, que estreia nesta quinta-feira (30) nos cinemas brasileiros – passa ao contar a história por trás da gravação de "Nebraska".
Apoiado na atuação competente de Jeremy Allen White ("The Bear"), o diretor Scott Cooper ("Coração louco") constrói um retrato soturno e compassado da depressão de um ídolo no auge de sua fama.
Dá para entender aqueles que não se apaixonarem. O período está longe de ser dos mais empolgantes. Há muita dor e angústia e rebeldia de gênio – e bem pouco do rock operário agitado celebrado pela maior parte da obra do "Boss" (como o americano é conhecido).
'Springsteen: Salve-me do Desconhecido' ganha primeiro trailer; assista
A escolha ajuda a evitar a estrutura mais padrão do gênero. "Salve-me do desconhecido" não padece do começo na infância sofrida, seguido da humilhação musical emendada pela revelação, e as subsequentes fama, drogas, mulheres e reinvenção.
Infelizmente, o foco em um período silencioso – ou menos barulhento – e quase que particular demais ressalta também o uso (moderado, é verdade) desconexo dos clichês de uma cinebio padrão.
Do 'Bear' ao 'Boss'
"Salve-me do desconhecido" começa pelo fim da turnê de "The River", até então o disco mais bem sucedido de um jovem Springsteen.
No momento em que faria sentido manter a inércia com um novo álbum de sucessos, o cantor decide voltar para a casa alugada longe da cidade, grava um novo projeto sozinho em seu quarto e teima pelo resto do filme para que as músicas – que exorcizam a relação complicada com o pai – sejam lançadas sem divulgação, sem shows e até mesmo sem sequer uma foto sua na capa.
Testado e aprovado em "The Bear", White repete sua atuação como gênio reprimido, mas consegue elevar o nível de carisma uns bons e necessários níveis para o Boss.
Jeremy Allen White em cena de 'Springsteen: Salve-me do desconhecido'
Divulgação
A falta de semelhança física no fim até favorece a atuação, já que não há maquiagem e próteses para distrair o público ou servir de muletas.
No começo, não deixa de ser esquisito assistir ao chef obcecado da série com um sotaque meio forçado e uma guitarra na mão, mas a estranheza é superada com o tempo. Em especial, conforme a história avança para a explicação das fixações do astro – uma incontornável e inevitável depressão.
A seu lado, Jeremy Strong ("Succession") se sacramenta como um dos maiores coadjuvantes de apoio de Hollywood após a atuação em "O aprendiz" (2024), que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar.
Dessa vez, no entanto, com uma atuação diametralmente oposta, como o doce e empático empresário e produtor Jon Landau (suas chances com a Academia só não são maiores por causa de uma participação menor no filme e uma categoria já dominada pelo Sean Penn de "Uma batalha após a outra").
Salve-nos dos clichês
Mesmo com as montagens quase obrigatórias de composições sem grandes explicações e a decisão incompreensível de relevar as gravações com a E Street Band, rejeitadas pelo cantor em "Nebraska", "Salve-me do desconhecido" lida bem com os chavões do gênero.
A direção só perde a mão com os flashbacks em preto e branco da infância de Springsteen. Como tudo contado no roteiro baseado no livro "Deliver me from nowhere", de Warren Zanes, fica claro que a relação com o pai é importante para o ídolo e sua formação.
Jeremy Strong e Jeremy Allen White em cena de 'Springsteen: Salve-me do desconhecido'
Divulgação
No filme, no entanto, as cenas parecem retalhos fora de lugar, com tom exagerado e momentos forçados – quase como se não fizessem parte do todo.
Para o lançamento de "Nebraska", Springsteen bateu o pé e não deixou sua visão artística ser comprometida de forma alguma. "Salve-me do desconhecido" talvez poderia ter se beneficiado um pouco da mesma teimosia.
De qualquer forma, serve como uma boa introdução para um gênio de 76 anos que talvez não seja mais tão conhecido pelos jovens como já foi um dia.
É provável até que um público formado por pessoas que não sejam fãs aprecie mais o filme, sem tantas expectativas de ver episódios mais marcantes da vida do cantor.
Ao contrário de muitas cinebios por aí, "Salve-me do desconhecido" está mais interessado na viagem do que no destino. Pode não ser a abordagem mais animadora, mas não deixa de ser emocionante.
Cartela resenha crítica g1
Arte/g1